A cannabis e seu uso na ayurveda
A cannabis tem uma longa história de uso na ayurveda. Conhecida como bhaṅgā em sânscrito, é classificada como uma substância tóxica pelos textos antigos que tratam das ervas ayurvédicas. No entanto, é usada em preparações curativas após a purificação. Seja como for, é mencionada em muitos dos textos antigos sobre ayurveda como o Charaka Samhita, Sushruta Samhita e Shargandhara Samhita.
O Ananda Kanda – importante escrito que influenciou a história da alquimia na Índia – tem um capítulo inteiro dedicado à erva, sua toxicidade, o procedimento de purificação, cultivo, preparo e uso. Nele, o Ananda Kanda descreve nove estágios sucessivos de toxicidade da cannabis. O texto também prescreve várias terapias para combater os efeitos tóxicos e narcóticos do uso excessivo de cannabis.
Contudo, na maioria das fórmulas ayurvédicas que tradicionalmente pedem o uso da cannabis, esta passou a ser simplesmente omitida devido a questões de legalidade. Nesse sentido o uso da Cannabis na prática ayurvédica convencional hoje é praticamente inexistente.
A cannabis cresce selvagem no Himalaia, na Índia, desde a Caxemira, no leste, até além de Assam, no oeste, e em toda a Ásia Central e Ocidental. Atualmente a cannabis é cultivada principalmente nas partes tropicais e subtropicais da Índia.
Se alguém procurar provas de como a cannabis existiu e influenciou a cultura, uma das mais antigas tradições da cannabis remonta a 2000 a.C. e ainda está em uso hoje.
Vejamos algumas aparições da cannabis em diversos campos do conhecimento ancestral indiano:
- O Atharva Veda – livro sagrado do hinduísmo – menciona a cannabis como uma das cinco plantas mais sagradas da Terra e diz que um anjo da guarda reside em suas folhas. Também se refere a ele como uma “fonte de felicidade”, um “doador de alegria” e um “libertador”.
- A ayurveda considera o valor medicinal da cannabis e no Sushruta Samhita (6 a.C.) é usada para ajudar na digestão e no apetite.
- O sistema médico Unani, praticado pelos muçulmanos na Índia medieval, também usava a cannabis como cura para doenças do sistema nervoso e também como antiespasmódico e anticonvulsivo.
- O imperador mogol, Humayun gostava particularmente de ma’jun, um doce confeitado de cannabis – o “brownie mágico” era medieval.
- Os lutadores sikhs muitas vezes tomavam bhang durante a batalha para ajudá-los a lutar melhor e entorpecer sua sensação de dor.
- Nos rituais ayurvédicos e tibbi, a cannabis era administrada por via oral para tratar doenças como malária e reumatismo.
- Guerreiros bebiam bhang para fortalecer seus nervos, e recém-casados consumiam bhang para aumentar sua libido.
Veja mais no vídeo abaixo (em inglês):
História recente da cannabis na Índia
Quando os ingleses chegaram à Índia, o uso da cannabis era tão difundido que encomendaram um estudo em larga escala conhecido como Indian Hemp Drugs Commission Report de 1894.
O objetivo do relatório era examinar o cultivo da planta de cannabis, a preparação de derivados, o comércio desses derivados, o impacto social e moral de seu consumo e possível proibição.
Mais de 1.100 entrevistas padronizadas foram realizadas em toda a Índia por especialistas médicos. A comissão foi sistemática e minuciosa e amostrou um grupo grande e diversificado de pessoas em uma variedade de situações.
Desde então, as vendas de bhang são autorizadas pelo governo somente com a emissão de uma licença adequada. Particularmente popular no norte da Índia, bhang em forma sólida, bhang lassis e bebidas thandai ou sardai são encontradas mais facilmente no mercado paralelo durante os festivais.
Os textos antigos dão detalhes de vários procedimentos para a purificação ou desintoxicação da cannabis. Esses textos também listam os efeitos adversos do uso da planta não purificada.
Diferentemente do uso recreativo, para a medicina a cannabis é quase sempre consumida por via oral e não fumada.
As partes da planta que são mais comumente usadas em preparações de cura são as folhas e os frutos (chamados bhaṅgā).
As flores não polinizadas (chamadas gāṅjā), a resina, as sementes e as raízes também são usadas em algumas preparações (embora as raízes sejam consideradas especialmente tóxicas).
Qualquer parte que seja usada, a ayurveda sempre recomenda algum método de purificação para esta erva. Um procedimento envolve ferver a planta na decocção de Babbula (Acacia arabica).
Outros métodos envolvem misturá-la com leite de várias maneiras. O procedimento mais simples para a purificação da cannabis envolve a imersão da erva em água pura por 24 horas.
Em seguida as ervas são espremidas para extrair o líquido restante e depois secas.
Por fim é frita em ghee de vaca em fogo médio antes de ser armazenado para uso em medicamentos. Acredita-se que este processo ajuda a reduzir os efeitos psicoativos da cannabis e remove suas características tóxicas.
Na ayurveda, apenas a cannabis processada dessa maneira é considerada segura para uso na cura.
Se for capaz de compreender hindi, assista ao vídeo abaixo para saber mais sobre os usos.
Nos textos médicos tradicionais indianos, a cannabis foi mencionada pela primeira vez há alguns milhares de anos no Atharva veda, enquanto os textos tradicionais ayurvédicos não mencionam esta planta até a Idade Média. Os nomes ayurvédicos da cannabis são “vijaya” – ‘aquele que conquista’ e “siddhi” – ‘poder sutil’, ‘realização’.
A cannabis tem uma reputação de longa data na Índia por suas implicações religiosas e espirituais, particularmente no hinduísmo. Acredita-se que o deus hindu da transformação, Shiva, tenha usado o bhang para se concentrar e aproveitar seus poderes divinos, e a cannabis foi considerada uma das cinco plantas mais sagradas da Terra no texto sagrado hindu Atharvaveda.
Temos um post sobre Shiva maconheiro que você pode ler clicando aqui.
Em certos rituais védicos, caules de cannabis eram queimados no fogo (yagna) para superar inimigos e forças do mal, pois os Vedas se referem à cannabis como uma “fonte de felicidade”, um “doador de alegria” e um “libertador”.
Nesse sentido não há nenhum estigma nas províncias onde a cannabis faz parte da vida cotidiana desde o início da cultura hindu. Beber bhang diariamente faz parte do tecido social e é um princípio de muitos rituais religiosos e o consumo de bhang é considerado uma forma de cultuar Shiva.
Os potentes efeitos medicinais da cannabis que agora estão sendo comprovados pela ciência moderna são praticados há milênios na medicina ayurvédica, definitivamente.
No Brasil, embora haja iniciativas muito importantes, em especial na área medicinal que visam ampliar o acesso a cannabis, ela segue criminalizada.
Texto traduzido daqui: https://www.himalayanhemp.in/post/the-ayurvedic-view-on-cannabis
Imagem destacada: https://mykush.biz/cannabis-tinctures-everything-you-need-to-know/